Sonhos II

Caro leitor, quando eu disse que o sonho mantém o sono, quis dizer que o sonho protege o sono, ao mesmo tempo em que transpõe a barreira do inconsciente (ICS) em direção ao consciente (CS). Por exemplo: há algum tempo atrás, após ter acordado, ouvi pingos de chuva batendo na proteção metálica do ar condicionado de meu quarto. Imediatamente, recordei que estava sonhando com sinos, que soavam sincronicamente, como se estivessem imitando o som da chuva no metal para não me deixar acordar com o seu barulho. Ou seja, parte do meu sonho constituiu-se a partir de um estímulo externo, isso já aconteceu com você leitor? Mas isso não é uma regra! As ferramentas utilizadas na construção dos sonhos são inúmeras, mas sempre com a finalidade de proteger o sono e burlar a barreira que separa os conteúdos ICS dos CS.

Imagine que há um guarda que protege a fronteira CS / ICS. É claro que ele foi contratado pelo lado do CS, o único interessado em reprimir os conteúdos ICS. Seu dever é não deixar nenhum conteúdo ICS escapar. Ou seja, censurar os conteúdos ICS de modo que eles permaneçam onde estão. No entanto, esse guarda falha, uma vez que os conteúdos ICS camuflam-se para passarem pela censura despercebidos e terem acesso ao CS. Esse é um dos motivos que explica o porquê dos sonhos serem tão confusos e abstratos. Seus conteúdos precisam ser condensados e deslocados para conseguirem burlar a barreira do CS. Outro motivo, é que se tivéssemos acesso aos nossos desejos ICS reprimidos, de maneira livre e direta, não suportaríamos o que iríamos encontrar.

Cabe ao analista, por meio da fala de seu analisante, construir os significados dos sonhos, tornando-os significativos para o andamento do tratamento. Os desejos reprimidos aparecem de forma camuflada e surreal em nossos sonhos. A clínica psicanalítica trabalha na direção da verdade dos desejos, possibilitando que o sujeito transforme sua miséria neurótica em infelicidade comum.

Texto escrito em agosto de 2012.