Sherlock Holmes e o Psicanalista

Na conferência II intitulada “Parapraxias”, volume XV, o pai da psicanálise faz uma breve referência sobre as similaridades entre o detetive e o psicanalista:
“E se fosse um detetive empenhado em localizar um assassino, esperaria achar que o assassino deixou para trás sua fotografia, no local do crime, com seu endereço assinalado? Ou não teria necessariamente de ficar satisfeito com vestígios fracos e obscuros da pessoa que estivesse procurando? Assim sendo, não subestimemos os pequenos indícios; com sua ajuda podemos obter êxito ao seguirmos a pista de algo maior”. Este fragmento está contemplado no início da conferência, e tenta sintetizar de maneira simples o seu título. As parapraxias são as funções falhas da consciência, mas que representam um sinal de comunicação certeiro do inconsciente. Estes lapsos são divididos em dois grupos, o primeiro em: lapsos de língua, de leitura e de audição e o último como: parapraxias de esquecimento, de extravio e de perda. Não cabe a este texto detalhar estas categorias, no entanto cabe deixar claro ao leitor que o ato falho é um produto do inconsciente e que por isso escapa do nosso controle surgindo de vários modos e nas mais inusitadas situações.

Mas o que tudo isso tem a ver com o famoso detetive londrino? A partir de algumas leituras pessoais da obra de Sir. Arthur Conan Doyle, em especial “As aventuras de Sherlock Holmes”, cheguei a algumas inevitáveis comparações entre o detetive e o psicanalista: as parapraxias estão para o psicanalista assim como as pistas estão para os detetives. As parapraxias são vias diretas com o inconsciente, local onde reside o trabalho analítico. Já as pistas, funcionam também como um instrumento que auxilia o trabalho do detetive, mesmo que este já tenha um objeto de investigação pré definido.

Assim como o detetive, o psicanalista inicia o seu trabalho com poucas pistas, na maioria das vezes sem nenhuma até que o analisante entre em seu consultório ou ligue para marcar a primeira entrevista. As pistas estão grudadas ao discurso do paciente e cabe ao analista separá-las possibilitando o seu trabalho em análise. Muitas vezes o discurso não associativo pode orientar analistas com pouca experiência a tomar um caminho enviesado de investigação, por isso, retomando Freud, o analista, por meio de uma atenção flutuante, não deve se focar em algo que o paciente diz, dando mais importância a um tópico que a outro. O analista deve manter uma escuta sem direção, possibilitando assim que os vestígios fracos, triviais, e ditos sem importância pelo analisante possam ser trabalhados. As parapraxias são pistas fundamentais para o trabalho analítico e devem ser pontuadas a sua maneira quando aparecem no set analítico. Lembrando que as parapraxias são uma das quatro formações do inconsciente, um motivo a mais para respeitá-las como ferramentas de trabalho do analista.

Em “Um caso de identidade” Sherlock Holmes profere a seguinte afirmação: “Na verdade, descobri que em geral é em assuntos sem importância que há campo para a observação e a análise…”. O detetive de Baker Street, diferentemente do analista, tem como principal ferramenta de trabalho a observação, uma vez que o psicanalista utiliza a escuta. Sherlock Holmes, além de enxergar, ele consegue ver naquilo que é julgado banal ou repetitivo algo de extrema importância para sua investigação. Por sua vez, o analista ouve o seu paciente e por meio da atenção flutuante marca e trabalha os vestígios e lapsos ditos pelo paciente.

O detetive tem um objetivo à priori em seu trabalho, ele é contratado para solucionar um crime e dar sentido aos fatos. Diferentemente do analista que nada sabe sobre o “caso” e tem um único objetivo: investigar. Em um primeiro momento dando sentido aos fatos, com o objetivo de posteriormente mostrar ao seu paciente o sem-sentido de seu sintoma.

Texto escrito em fevereiro de 2012.